Grupo da Quinta

segunda-feira

ÀS NOSSAS AMIGAS E AOS NOSSOS AMIGOS


Chegamos ao término de mais um ano em que duas festas fundem-se: começo-fim; fim-começo. Chegada-partida; partida-chegada; nascimento-nascimento. Que a beleza da afabilidade e o sabor da alegria estejam com todos vocês nessas conjunções felizes e que elas sejam produtoras de intenso amor. Para alumbrar esta festa, além das velas, estrelas, luzinhas, néons, fogos, lágrimas, reflexos e cintilações, enviamos uma luz muito especial, oriunda do espírito de Joaquim Cardozo: a terceira parte de PRELÚDIO E ELEGIA DE UMA DESPEDIDA, escrito em 1952.


III

É preciso partir enquanto é noite,

Enquanto é aspiração de absoluto.

É preciso voar no vórtice das lendas, das historias antigas.

Viajar, circular, além das águas, alem do ar.

Do ar – plâncton do espaço, alimento das asas.

– casulo da luz – crisálida.

A treva que desvenda e que liberta

Com seu poder noturno a pulsação não doma

Dos planetas escuros na mais densa matéria nuclear,

Nem a noite maior das negras nebulosas.

Se as coisas do mundo se encadeiam e implacáveis gravitam

Do calor das estrelas do pesado frio derradeiro,

Por que há na infância uma doçura simples e primeva?

E as cores espectrais por que alongam

Em ruivo e moreno, em zaino e rosilho,

E na explosão reside o acontecimento de uma flor?

Água, água de chuva

– presença unânime da Queda –

Aura da esperança; sombra do castigo;

Água pesada, água de chincho

– Água da chuva –

Chuva! Cabelos brancos, cabelos frios

Dessa noite velha, dessa noite fria

Que apaga a vista, que extingue a voz.

Chuva em que vou com a alma embuçada

E o coração molhado e vazio.

Ouço os teus passos ligeiros de fantasma,

O teu fragor funesto, o teu rumor sombrio

Chuva da eterna morte!

Se é impossível voltar e possível não é perdurar

Na hora intensa da espera, no espaço da demora,

É partir!

É partir e partir para o fim das memórias...

Arcturus, Antares, Altair! Capitâneas

Dessa navegação taciturna e para sempre

E para além da verdade e grandeza da vida.

É partir e partir para o fim das idades...

Já a eterna luz com os seus dedos de rosa

Estende o azul do dia;

É partir e partir para além da saudade.

Das vinhas de orvalho instante da vindima,

Meandros matinais de frondes vaporosas

E os galos proclamando de próximo a longínquo,

Nas úmidas distâncias, o canto da aventura.


(João Denys, Rose Mary, Hana Luzia, João Pedro e Dona Sinhazinha).